Locução do poema Tempo de outro tempo de Mia Couto - Ricardo Ferrara

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Locução do poema Tempo de outro tempo de Mia Couto - Ricardo Ferrara

Não me ocupara ainda de ser
e já a vida
decidira da minha posse
potros de sangue
sulcaram-me a sina
e o tempo não se desperdiçou
nas pequenas frações de mim
nem sob os meus passos
se deteve outono algum
O mundo abrira o seu peito
os homens estreitaram-se
e segredaram-me
na cabeceira deste tempo
e à poesia pediram
que lhe fosse grata
que se mantivesse pura
e em privado se prostituísse
mas a palavra não se deteve
nem se calculou
na aritmética da conveniência
Era já tempo
de um outro tempo
e a poesia
convocava os seus soldados
e nos fuzis da imaginação
se abriram as baionetas da verdade
Assim
saí de mim
e me esperei
para nunca mais chegar
porque me deixei
com raízes em tudo quanto esteve perto
e perto estiveram os homens sem nome e os nomes esquecidos dos homens
e perto esteve a distância
da festa das vozes
de encontro ao seu canto
E mesmo quando a solidão
me condecorou
com a medalha da ausência
as palavras que traduzira
no idioma da vida
fizeram-me nascer da multidão de mim.
MIA COUTO - Tempo de outro tempo - livro: Raiz de Orvalho e Outros Poemas

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