O sofrimento foi dela companheiro fiel do nascimento ao fim. Em 71 anos, passou 16 presa num castelo-fortaleza, viu morrer seus nove filhos, os cinco irmãos e um dos dois netos. O neto sobrevivente, Sebastião, contra os apelos contidos nas últimas palavras dela, poria a perder o reino a que Catarina se dedicou sem descanso e serviu como rainha reinante entre 1557 e 1562.
A mãe, a rainha Joana de Castela, ao ver morrer o esposo, pai de Catarina, em setembro de 1506, mergulhou em profundo luto, fazendo questão de peregrinar pelo reino com o féretro de Filipe de Habsburgo a fim de sepultá-lo em Granada, desejo manifesto em vida por ele. Num descanso dessa jornada, em Torquemada, nasceu Catarina.
O avô da pequena, Fernando de Aragão, não permitiu que Joana reinasse. Conspirando com o imperador austríaco, alegando o luto da filha, Fernando assumiu a regência e, para evitar que Joana tivesse acesso a quem pudesse ajudá-la a recuperar de fato o trono que tinha de direito, mandou confiná-la na torre de Tordesilhas, em que passaria seus restantes 48 anos.
Joana, dos seis filhos, manteve junto de si apenas Catarina. O cárcere era vigiado, escuro e silencioso. Nisso passou a menina até completar 18 anos, quando partiu a Portugal para se casar com o rei João III, aliança decidida pelo irmão, que já reinava sobre a Espanha e sobre o Sacro Império como Carlos V. Ele, compadecido do sofrimento da mais nova, chegara a retirá-la da torre em 1518, mas três dias depois Catarina estava de volta, convencida de que não era justo deixar a mãe em completa solidão.
A nova vida, no Paço da Ribeira, ao lado do também jovem esposo, tinha como principal preocupação gerar herdeiros ao trono português, sede de um império global até então inédito em dimensão. Catarina e João III eram primos em primeiro grau, pois Maria, mãe de João, era irmã de Joana. Não havia as preocupações que viriam séculos depois sobre os efeitos potencialmente degenerativos da consanguinidade.
Afonso foi o primeiro filho do casal real, nascido em 1526. Viveu por 47 dias. Até 1539, Catarina veria nascer de seu ventre mais oito herdeiros de Portugal. Nenhum deles passaria de 1554, só dois chegando à adolescência. Quatro morreriam por epilepsia na primeira infância. Tais desastres não convenceriam a rainha consorte dos riscos da endogamia. Ela dobraria a aposta. Por sua obstinação, os filhos Maria Manuela e João Manuel se casariam respectivamente com Filipe e Joana de Áustria, ambos filhos de seu irmão Carlos e de Isabel de Portugal, por sua vez irmã de João III. Logo, os netos de Catarina, Carlos Lourenço, filho de Maria Manuela, e Sebastião, filho de João Manuel, teriam como pai e mãe primos em primeiro grau dobrado, consanguinidade extrema. Carlos Lourenço morreria em 1568, aos 23 anos, após muitas manifestações de crueldade e insanidade, um alívio para a Espanha se livrar de um herdeiro do trono inadaptado à vida em sociedade, tanto mais ao governo. Portugal não teria a mesma sorte do reino vizinho: Sebastião seria rei cioso de seu poder.
Catarina e João III tinham um casamento harmônico e cúmplice. A rainha tinha como passatempo colecionar objetos raros e curiosos, formando o maior acervo Kunstkammer em Portugal. Gostava também de política. A partir de 1540, com o rei cada vez mais indisposto a governar, assume poderes crescentes, chegando a compor formalmente o Conselho do Rei. Disputava a posição de principal guia do monarca com Antônio de Ataíde, Conde da Castanheira, que ela detestava.
Ao morrer, em 1557, o rei não deixa testamento, mas um texto supostamente ditado a Pero de Alcáçova Carneiro, homem discreto e de boas relações tanto com Ataíde quanto com Catarina. No papel, não assinado, estava expresso o desejo de João III de que a esposa reinasse como regente até Sebastião, único herdeiro sobrevivente, completar 20 anos. Por tradição, a regência deveria ser do irmão do rei, o Cardeal Henrique. Pero jurou a autenticidade do texto. Como tanto Henrique quanto o Conde da Castanheira não o contestaram, Catarina assumiu a Coroa de Portugal.
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