Wilson Araújo interpreta Memorial de Quatro Braços, poema de José Estivaleti, acompanhado pelo violonista Zulmar Benites. Poema participante do 13º Bivaque da Poesia Gaúcha, com o qual Wilson Araújo foi premiado como melhor intérprete.
MEMORIAL DE QUATRO BRAÇOS
Autor:José Oliveira Estivalet
Sol da tarde incandescente,
Braça e pico pra se pôr...
Um quero-quero abre o peito
Num alarido estridente,
Anunciando que tem gente
Rondando o passo da várzea
Única porta de entrada
Daquele fundão de campo
Da Fazenda Bela Vista,
A invernadinha dos fundos
Onde mora Dona Chica.
Viúva do Bento, o posteiro,
Que morreu numa rodada
Dum mouro marca borrada,
Refugado dos ginetes
Que lhe deixaram aporreado
E vivia solto por maula...
Retocando pelos campos
Como rei das pradarias,
Narinas arregaçadas
E a cola hasteada em bandeira.
E o Bento, lhe cobiçava,
Cada vez que o vislumbrava
Sua mão acariciava
A boleadeira charrua,
Que tinha endereço certo
Ao desprender-se do braço
E nesse caso era o mouro,
Nas munhecas do pavena,
Para escutar o estampido
No serrar das três marias...
Num temporal de verão,
Uma enxurrada medonha,
Descendo as águas das sangas
O arroio transbordou,
Ficando ilhado o varzedo
Naquele fundão de campo...
Rancho, potreiro e manada,
Todos do lado de cá...
Tudo o que o Bento queria
Pra fazer aquele mouro
Conhecer marido brabo.
Assim que a chuva passou
E o sol voltou a brilhar,
Bento montou um cabos-negros
E, investiu contra a manada,
Quando o maula se apartou
Na volta de um caponete
E as três marias certeiras
Abraçaram-lhe as dianteiras
Fazendo trocar de ponta,
Qual um gigante de crinas
Desabando entre as macegas
Marcando aquele lugar...
Num upa estava seguro;
Buçal e cabresto forte
Na cincha do cabos-negros,
“Manoteando”, se golpeando,
Bufando e dando “pataços”,
Mas, sendo quase arrastado,
Mais brabo e mais contrariado
Que nem gato cabresteando,
Que cincha tinha sobrando
Aquele baio apoderado.
Foram dez dias de lida
Adelgaçando o ventena,
Banhando, tirando as cócegas,
Fazendo correr na volta
Num maneador de seis braças
A estalos de arreador...
Depois o cabresto forte,
Bem torcido, bem sovado,
Com duas voltas passadas
Num palanque de pau-ferro,
Com as duas presilhas presas
Naquela argola de aço
De um buçal desnucador.
O mouro não mais sentava,
Deixava ser apalpado,
Tava igual cavalo manso
Mas, tinha um olhar raivoso,
Parecendo uma cruzeira
Prontita pra dar o bote...
E o Bento senta-lhe as garras
Com toda a calma e perícia,
Conversando, assoviando,
As vezes cantarolando
E o mouro nem se mexia.
Nisso chegaram dois peões
Prontitos pra amadrinhar,
Estava o mouro encilhado
E o Bento, chapéu quebrado,
Bombachita remangada,
As nazarenas calçadas
E a guaxa na mão direita,
Como a medir traço a traço
Daquele diabo encilhado
E o mouro por sua vez
Também media o ginete...
Depois de bem orelhado,
Ginete já enforquilhado,
Corpo atirado pra traz,
Mandou que soltassem o mouro
E dessem um tapa no focinho...
Deus do céu... Virgem Maria...
Quebram o silêncio da várzea
Com a fúria de um maremoto
Parecendo ondas gigantes,
Quando iam pras alturas
E ao baixarem arrancavam
Leivas de pasto do chão.
De longe se ouvia os berros
E a guaxa batendo forte,
Logo um silencio de morte
Bem onde fora boleado,
Pois não é que o desgraçado
Se da volta pelo ar...
Se devolvendo prá terra
Pra nunca mais levantar...
Pois teve o pescoço quebrado
E o Bento, morre apertado
Nesta medonha rodada,
Com as sete dentes cravadas
Na pança deste aporreado.
Primeiro enterraram o mouro
Bem na marca da rodada,
Um pouco acima da estrada
E abaixo do caponete...
Depois velaram o ginete
Para então ser enterrado
Em outra cova ao lado,
Do mouro passarinheiro,
Rude memorial campeiro
Onde uma cruz de pau-ferro,
Diferente, quatro braços,
Marca o final de dois guapos
Que talvez rondem a querência...
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